Exercício Cruzeiro do Sul (CRUZEX) 2024

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15 julho 2024

A liderança estratégica militar no mundo atual


Carlos Anselmo de Sá Oliveira¹
Gustavo Lopes da Cruz²

    1. Introdução

    A liderança estratégica militar é um tema abrangente e vital para o sucesso das Forças Armadas num cenário global em constante mudança. Os líderes no nível estratégico enfrentam diversos desafios e precisam atuar com atributos que facilitem a tomada de decisões. Compreender a dinâmica evolutiva das decisões é essencial para reforçar o sucesso ou ajustar o curso, sempre com o objetivo de atingir os objetivos estratégicos traçados. No mundo atual, marcado por incertezas e desafios, os líderes militares estão inseridos em um contexto que apresenta uma série de obstáculos ao exercício de suas funções.

    Nesse ambiente de constantes, progressivas e rápidas transformações, surgiram vários acrônimos que sintetizam essa realidade. Como exemplo, há o acrônimo VUCA (volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade), utilizado pelo U.S. Army War College na década de 1990 para explicar o cenário pós-Guerra Fria. Mais recentemente, o acrônimo BANI (frágil, ansioso, não linear e incompreensível), criado pelo antropólogo e futurista norte-americano Jamais Cascio, representa uma evolução do cenário VUCA. Há também o acrônimo PSIC (precipitado, superficial, imediatista e conturbado), cunhado pelo General Richard Fernandez Nunes em um artigo publicado no Blog do Exército Brasileiro, numa tentativa de compreender o ambiente informacional da atualidade. Nesse cenário, a liderança estratégica militar enfrenta desafios sem precedentes. A capacidade de liderar, com eficácia, exige não apenas um entendimento profundo das doutrinas militares tradicionais, mas também uma adaptação ágil às novas realidades geopolíticas e tecnológicas.

    O cenário global atual é marcado por uma volatilidade caracterizada por conflitos que surgem de maneira rápida e imprevisível em diversas frentes. Essa dinâmica exige dos líderes militares uma capacidade de resposta ágil e adaptável. Um exemplo dessa volatilidade são os recentes conflitos entre a Rússia e a Ucrânia, ocorridos no leste europeu. Outro exemplo repousa nos ataques terroristas perpetrados pelo Hamas contra Israel em 07 de outubro de 2023, uma organização política e militar palestina de orientação sunita islâmica que governa a faixa de Gaza.

    No âmbito nacional, apesar de não haver conflitos bélicos, existem inúmeras demandas geopolíticas, políticas e sociais que requerem a mesma agilidade e flexibilidade exigidas em situações de conflito. As constantes mudanças de prioridade, como a defesa e soberania da pátria na região Norte, em resposta à instabilidade regional provocada pelo presidente da Venezuela, bem como as catástrofes naturais causadas pelas intensas chuvas na região Sul do país, são apenas alguns exemplos de volatilidade que estão presentes no ambiente interno do Brasil. Portanto, é necessário que haja flexibilidade para enfrentar esses desafios, sejam eles de natureza internacional ou nacional. A capacidade de adaptação rápida e eficaz é fundamental para o sucesso neste cenário volátil e incerto.

    Diante da realidade atual, este artigo tem como objetivo analisar a atuação do líder militar estratégico, em um ambiente permeado por incertezas e complexas relações no contexto informacional. Nosso foco é destacar a importância de fortalecer os atributos de liderança, principalmente no mais alto nível. Para isso, foi dividida a análise em duas partes principais. Primeiro, será abordado os aspectos do contexto incerto do mundo atual. Em seguida, é exposto os dilemas enfrentados na tomada de decisões eficazes e oportunas. Não se pretende esgotar o assunto, mas apontar caminhos que proporcione uma visão abrangente sobre o tema.

    2. Mundo de incertezas

    A incerteza, um elemento presente em diversas situações, se torna um fator crítico e em constante crescimento, à medida que os problemas se tornam mais complexos. A ausência de informações claras e confiáveis, ou até mesmo o excesso de informações oriundas de várias fontes, podem gerar dúvidas nos decisores, dificultando ou hesitando na tomada de decisões rápidas e adequadas.

    Outro elemento que contribui para o sentimento de dúvida, causando uma espécie de cegueira ao escolher a melhor linha de ação, é a desinformação. Dependendo de como é introduzida no debate, a desinformação pode confundir e induzir ao erro, causando danos, podendo ocasionar o fracasso.

    Desta forma, a inteligência e a contrainteligência desempenham um papel essencial no apoio à tomada de decisões. Elas são ferramentas fundamentais para dar luz neste cenário incerto, fornecendo informações precisas e confiáveis que podem ajudar a mitigar as incertezas e a desinformação. No entanto, esse instrumento não pode se dar ao luxo de ser moroso ou inepto, uma vez que a velocidade das informações, com auxílio da internet e aplicativos, está cada vez maior e intensa, fazendo com que não haja vácuo de informação, mesmo que seja falsa. Assim, é crucial que os tomadores de decisão estejam equipados com os dispositivos e recursos necessários para lidar efetivamente com esses desafios.

    Este estado ou caráter do que é incerto, não se limita a fronteiras nacionais. Ela permeia as complexas relações internacionais e os teatros de operações modernos, exigindo uma compreensão que vai além das táticas de campo de batalha e abrange as implicações políticas e sociais das ações militares. Esse ambiente é agravado e se torna ainda mais acentuado pela enxurrada de informações que circulam nas mídias. Um exemplo disso é a situação delicada enfrentada pelo Estado de Israel. Após sofrer um atentado, Israel se encontra em uma dicotomia: a necessidade de responder ao ataque e a pressão da opinião pública que muitas vezes pede o contrário, visto o banho de sangue que pode ocasionar. Essa guerra de narrativas dificulta a conquista da opinião pública e pode limitar significativamente a liberdade de ação na condução das operações.

    Guardada as devidas proporções, a similaridade pode ser comparada à situação interna do Brasil, como a Intervenção Federal no Rio de Janeiro ou os diversos decretos de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Assim como nas operações militares internacionais, a intervenção federal e a GLO exigem um entendimento amplo do complexo ambiente das relações civis militares, onde não basta aplicar a doutrina militar na frieza do manual, sem levar em consideração os reflexos políticos e psicossociais das ações da tropa empregada, exigindo um detalhado Plano de Comunicação Estratégica que seja capaz de conquistar o domínio da narrativa e evitar a desinformação.

    Assim, reduzir as incertezas, estabelecer uma relação de confiança entre o líder e seus liderados, dominar a narrativa e conquistar a liberdade de manobra, tornam-se fundamentais para o líder no nível estratégico alcançar os objetivos traçados para o cumprimento de suas missões.

    3. O dilema da decisão

    A ambiguidade moral e ética, muitas vezes presente em decisões de vida ou morte, adiciona uma camada adicional de complexidade. Os líderes militares são frequentemente confrontados com situações em que devem equilibrar a necessidade de proteger suas próprias forças e alcançar seus objetivos militares, com a necessidade de minimizar o dano aos civis e aderir às leis da guerra. Um exemplo disso pode ser visto nos conflitos modernos onde o uso de drones armados levanta questões éticas significativas.

    O dinamismo dos conflitos modernos ultrapassa os limites do campo de batalha, influenciando a psique dos combatentes e das populações civis afetadas. Como mencionado anteriormente, a ambiguidade nas informações disponíveis pode resultar em decisões estratégicas baseadas em dados incompletos ou enganosos. As ameaças emergentes, como as cibernéticas, os conflitos híbridos e o ambiente informacional, desafiam os líderes a se adaptarem às formas de guerra para as quais não foram tradicionalmente treinados. Ademais, a questão da escassez de recursos, seja em termos de pessoal, equipamento ou financiamento, obriga os líderes a fazerem mais com menos, muitas vezes sob intensa pressão.

    A pressão social sobre os líderes militares é amplificada pela conectividade global e pelo acesso instantâneo à informação. Cada decisão tomada pode ser imediatamente disseminada e avaliada pelo tribunal da opinião pública, não apenas em âmbito nacional, mas também internacional.

    Neste mundo onde a informação é tão poderosa quanto qualquer arma em um arsenal militar, a habilidade de um líder estratégico para se comunicar de maneira eficaz é essencial. Um líder deve não apenas tomar decisões, mas também deve ter a capacidade de explicá-las de forma clara para todos, desde seus subordinados até o público em geral. Essa habilidade em se comunicar de forma eficaz pode ajudar a moldar a forma como o público vê um certame, influenciando o apoio popular e até mesmo a opinião pública e a política em geral.

    No entanto, com grande poder, o nível de responsabilidade, por consequência, também é enorme. Assim como um líder deve ser cuidadoso ao tomar decisões, ele também deve ser cuidadoso ao compartilhar informações. Afinal, as palavras, assim como as ações, podem ter consequências de longo alcance. Nesse ofício, um bom líder estratégico sabe que a comunicação eficaz é mais do que apenas falar ou escrever, é necessário conectar-se com as pessoas de uma maneira responsável e ética.

    A conectividade, embora possa facilitar a coordenação entre forças aliadas e agências civis, também aumenta o risco de vazamentos de informações sensíveis e ataques cibernéticos. Em 2010, por exemplo, o site WikiLeaks publicou milhares de documentos militares e diplomáticos dos EUA, revelando detalhes sensíveis sobre as operações militares no Afeganistão e no Iraque. Isso não apenas comprometeu as operações planejadas, mas também teve implicações políticas significativas. Nesse sentido, em um mundo cada vez mais conectado, os líderes militares devem não apenas ser estrategistas e táticos eficazes, mas também especialistas em gestão de informações. Eles devem ser capazes em se deslocar no delicado equilíbrio entre transparência e segurança, garantindo que as informações certas cheguem às pessoas certas, ao mesmo tempo em que protegem as informações sensíveis de vazamentos e ataques.

    Infere-se, portanto, que as ações do líder no nível estratégico devem estar sempre pautadas nos preceitos da ética e da moral, atributos fundamentais para o exercício da liderança. Soma-se a isso, a sua capacidade de relacionamento e de comunicação, as quais lhe permitirão conquistar “corações e mentes”, canalizando todos os esforços na direção do cumprimento de suas missões com o máximo de eficiência e o mínimo de danos colaterais.

    4. Conclusão

    A liderança estratégica militar no cenário atual demanda uma combinação de coragem para enfrentar perigos iminentes, visão para identificar oportunidades e ameaças emergentes, sabedoria para escolher entre opções desafiadoras e compaixão para com aqueles sob seu comando. Essa liderança requer uma mente receptiva a novas ideias e tecnologias que possam revolucionar o campo de batalha, mantendo firmemente os valores fundamentais que definem as Forças Armadas.

    Os líderes militares precisam estar equipados com ferramentas tecnológicas avançadas que permitam uma tomada de decisão mais precisa e eficaz. Eles devem ser capazes de empregar inteligência artificial para análise de dados complexos, big data para previsão estratégica, comunicações seguras para proteger informações críticas e simulações virtuais para treinamento avançado. Soma-se a isso, os sistemas de monitoramento em tempo real, seja no campo físico ou no campo informacional, o que são essenciais para avaliar o progresso das operações e da opinião pública. A capacidade de adaptação e aprendizado contínuo é vital para enfrentar os desafios em constante evolução que o mundo apresenta. Assim, a liderança estratégica militar no mundo atual é uma arte desafiadora que exige dos líderes militares uma combinação única de habilidades. Eles devem ser capazes de caminhar num terreno incerto, adaptando-se rapidamente às novas realidades geopolíticas e tecnológicas. A pressão social, a conectividade global e a escassez de recursos são apenas alguns dos óbices que se apresentam para serem superados, no intuito de atingir os objetivos estabelecidos.

    No entanto, a excelência na liderança não é medida apenas pelos resultados alcançados, mas também pela capacidade de inspirar e guiar aqueles que servem sob sua liderança. A liderança eficaz é aquela que consegue motivar e orientar, que consegue transformar desafios em oportunidades e que consegue manter a resiliência mesmo diante das adversidades. Portanto, a liderança estratégica militar no mundo atual é mais do que apenas uma posição de autoridade, é uma jornada de constante aprendizado, adaptação e inspiração.

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¹ Coronel do Exército Brasileiro. Atualmente está realizando o CPEAEx na ECEME.
² Coronel do Exército Brasileiro. Atualmente está realizando o CPEAEx na ECEME.



Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

BRASIL. Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999. Dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 137, n. 110, p. 1-3, 10 jun. 1999.

________. Manual de Campanha C 20-10 – Liderança Militar. 2ª. ed. Brasília. 2011.

NUNES, Richard Fernandes. O Mundo PSIC e a Ética Militar. 2023. Disponível em:<https://eblog.eb.mil.br/w/o-mundo-psic-e-a-etica-militar>. Acesso em 12 de fev. de 2024.

NUNES, Richard Fernandes. O mundo em acrônimos e a comunicação estratégica do Exército. 2022. Disponível em:<https://eblog.eb.mil.br/w/o-mundo-em-acronimos-e-a-comunicacao-estrategica-do-exercito>. Acesso em 29 de fev. de 2024.

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