17 agosto 2023

Amazul completa 10 anos hoje, revelando avanços no desenvolvimento do submarino nuclear e planos de expansão

vice-almirante Newton Costa Neto

Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br)

O Petronotícias abre o noticiário desta quarta-feira com uma entrevista especial. Hoje (16), a empresa estatal Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul) está completando 10 anos de existência. A companhia foi criada para absorver, promover, desenvolver, transferir e manter atividades sensíveis do Programa Nuclear da Marinha, do Programa de Desenvolvimento de Submarinos e do Programa Nuclear Brasileiro.

Criada em 2013, a estatal já foi presidida por Ney Zanella (entre 2013 e 2019) e Antônio Guerreiro (entre 2019 e 2022). Para tratar das conquistas alcançadas até aqui e dos próximos desafios, conversaremos hoje com o atual diretor-presidente da Amazul, vice-almirante Newton Costa Neto (foto).

Em relação ao submarino nuclear brasileiro, o entrevistado avalia que o projeto está chegando a um grande nível de maturidade – e, por isso, novos funcionários da companhia serão convocados para atuarem nesse desenvolvimento. A propósito, Costa prevê que cerca de 200 pessoas que participaram do último concurso da Amazul poderão ser convocadas até 2024.

Paralelamente, a empresa também avança na construção do LABGENE – que será o protótipo em terra e em escala real do submarino com propulsão nuclear. “No início de agosto, a Amazul assinou contratos com empresas francesas. Tratam-se de acordos muito importantes na evolução da maturidade do projeto do LABGENE”, revelou.

O diretor-presidente falou ainda sobre a participação da empresa no projeto de extensão da vida útil de Angra 1 e revelou o interesse da companhia em desenvolver uma tecnologia nacional de Pequenos Reatores Modulares (SMR).

Por fim, Costa falou das expectativas de participação no projeto do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) e comentou sobre o aspecto social da Amazul – que trabalha no desenvolvimento de um dispositivo inovador para pacientes com insuficiência cardíaca.


Para começar, como o senhor e os demais funcionários avaliam esses dez primeiros anos de existência da Amazul? Qual o balanço até aqui?

Ver a empresa ser criada e evoluir ao longo destes dez anos é um orgulho imenso, e me sinto muito satisfeito por estar, neste momento tão especial, na presidência da Amazul. A nossa empresa é muito interessante, pois apesar de possuir 10 anos de existência, alguns dos funcionários já estão trabalhando há mais de 30 anos em diversos projetos do Programa Nuclear da Marinha, pois trabalhavam anteriormente na EMGEPRON. Esses funcionários simbolizam, de forma significativa, as conquistas alcançadas até aqui. A empresa conta com um corpo técnico altamente capacitado e experiente.

A Amazul é uma empresa que participa de quase todos os projetos na área nuclear brasileira, englobando os três programas desse setor: o Programa Nuclear Brasileiro, o Programa Nuclear da Marinha e o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB). Nós somos capacitadores dessa mão de obra e do conhecimento que trabalha nas atividades-fim desses três programas.

O nosso maior patrimônio são as pessoas e o nosso conhecimento. Nossos funcionários fazem a diferença. São poucos os países no mundo que possuem uma empresa com quadro tão qualificado como o da Amazul. São pessoas que dedicam parte de suas vidas aos nossos projetos e que fazem a diferença para o país.


A Amazul possui quantos funcionários? Existem planos para expandir esse número?

Atualmente, a Amazul possui cerca de 1.800 funcionários. Com base na disponibilidade orçamentária, planejamos atingir a marca de 2 mil pessoas até o próximo ano. Esse aumento no número de colaboradores é essencial, pois todos os projetos da Amazul atingiram um nível de maturidade que demanda um considerável contingente de profissionais altamente qualificados. O último concurso da Amazul abrangeu 58 profissões, com fila de espera e cadastro de reserva. Temos até 2026 para seguir contratando pessoas dentro do âmbito desse concurso.

Ilustração mostra os equipamentos principais do LABGENE

Aproveitando que o senhor já mencionou anteriormente o Programa Nuclear da Marinha, gostaria de detalhar mais esse tema. Poderia atualizar os nossos leitores sobre o desenvolvimento do LABGENE, em Iperó (SP)?

No início de 2022, foi atribuída à Amazul uma maior participação no Programa Nuclear da Marinha e no PROSUB. Com o amadurecimento dos projetos, cresceu a curva de carga de necessidade de pessoal para as atividades-fim. A Amazul conta com profissionais altamente qualificados, o que a Marinha começou a considerar, solicitando à nossa empresa que também participasse das contratações de serviços e materiais relacionados ao LABGENE.

Atualmente, estamos focados no chamado Bloco 40 – que será o “coração” do LABGENE. Este projeto é altamente tecnológico e exige componentes especiais, uma vez que o LABGENE será a referência para o futuro reator do submarino de propulsão nuclear.

Devido a isso, o sistema de garantia da qualidade nuclear aplicado ao projeto e às empresas envolvidas no Bloco 40 é robusto e rigoroso. A Amazul desempenha um papel inédito no país, atuando como empresa de gestão de projetos na área nuclear. Até o momento, os resultados obtidos pela empresa têm sido extremamente positivos.

LABGENE

Quais são as novidades mais recentes relacionadas ao desenvolvimento do LABGENE?

No início de agosto, a Amazul assinou contratos com empresas francesas. Tratam-se de acordos muito importantes na evolução da maturidade do projeto do LABGENE.

Para facilitar o licenciamento do projeto dentro da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), serão necessárias diversas comprovações e demonstrações. Por isso, precisaremos de empresas que tenham experiência e conhecimento comprovado nisso. No Brasil, ainda não existem empresas que possam atuar dessa forma. Mas, no futuro, a Amazul será capacitada para fazer algo semelhante. No entanto, hoje, precisaremos do apoio dessas empresas para uma série de atividades integradas ao Bloco 40.

Maquete do Submarino Convencionalmente Armado com Propulsão Nuclear (SCPN)

Poderia também fazer uma atualização sobre a participação da Amazul no desenvolvimento do submarino de propulsão nuclear?

O projeto está chegando a um grande nível de maturidade, caminhando em sintonia com o LABGENE. A Marinha está definindo o que a Amazul irá assumir dentro do programa do submarino de propulsão nuclear. Uma grande parcela do pessoal que trabalha dentro do projeto do submarino é formada por empregados da Amazul que trabalham no Centro de Projetos de Sistemas Navais (CPSN), que está sendo transferido para Itaguaí (RJ).

Por conta do nível de maturidade alcançado no projeto, estamos contratando mais pessoas, que participaram do último concurso da empresa, para complementar o quadro de funcionários que irá atuar em Itaguaí. A Marinha possui um novo prédio específico para esses profissionais que acompanharão a finalização do projeto e a construção e a fiscalização do submarino.

A Amazul também vários de seus empregados na Coordenadoria-Geral do Programa de Desenvolvimento de Submarino com Propulsão Nuclear (COGESN). Então, de maneira geral, a companhia está muito integrada ao projeto e, provavelmente, será cada vez mais inserida dentro dos contratos que a Marinha possui com a França e com a Odebrecht.

Angra 1

Agora, gostaria de detalhar alguns dos vários projetos da Amazul dentro do Programa Nuclear Brasileiro. Vamos começar pela participação da empresa nos trabalhos para extensão da vida útil de Angra 1. Quais são os movimentos mais recentes dentro dessa iniciativa?

Esse projeto é muito importante tanto para a Eletronuclear quanto para a Amazul. Cerca de 20 funcionários da nossa empresa participam da equipe que está preparando Angra 1 para entrar dentro dos requisitos necessários para a extensão da vida útil da usina por mais 20 anos. O nosso pessoal também está participando de uma série de atividades dentro da usina – incluindo a troca de combustível, que é uma tarefa bastante sensível. Isso trará experiência para a Amazul, que poderá no futuro atuar na troca de combustível do LABGENE, do submarino de propulsão nuclear e do RMB.

Por fim, esperamos que, até o final do ano, possamos assinar um novo contrato com a Eletronuclear para prestação de apoio ao programa de gestão do envelhecimento da usina nuclear de Angra 2.


De que forma a empresa está preparando-se para participar de projetos dos pequenos reatores modulares, que são apontados como a tecnologia do futuro da indústria nuclear mundial?

O Brasil precisa preparar-se para esse futuro. Existem mais de 80 projetos de SMR no mundo, com tecnologias e finalidades diferentes. Por isso, o Brasil precisa definir qual será a tecnologia que será utilizada no país. O SMR pode ser aplicado em diferentes situações – dessalinização, produção de hidrogênio, geração de energia em locais remotos, propulsão naval, entre outras. O país também precisa decidir qual será a aplicação dessa tecnologia em nosso território.

O que eu posso dizer é que já existem pessoas dentro da Amazul focadas no estudo sobre SMR, para que o Brasil tenha uma tecnologia autóctone. A Amazul está capacitando-se internamente para que, a depender da escolha brasileira, estejamos prontos para participar de projetos de SMR. Estaremos dentro de qualquer projeto do tipo no país. Mas, ao meu ver, é uma prioridade que o Brasil preserve o seu conhecimento.

O nosso país tem o domínio do ciclo de combustível nuclear e desenvolve um reator como o LABGNE. Então, devemos aproveitar essa experiência. Temos muitas empresas nacionais que podem ser beneficiadas dentro de um projeto nacional de SMR. Em breve, a Amazul, a Marinha e a Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN) realizarão um workshop sobre a capacidade brasileira para o desenvolvimento do SMR nacional.


A Amazul também já desenvolve há alguns anos uma parceria com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN). Quais são os frutos mais recentes dessa ligação entre as empresas?

A Amazul e o IPEN são parceiros há mais de três anos na operação do Centro de Radiofarmácia, em São Paulo, onde ocorre a maior parte da produção brasileira de radiofármacos. Atualmente, cerca de 20 funcionários da Amazul estão quase que constantemente trabalhando com o IPEN. Em paralelo, estamos prospectando uma nova parceria com o instituto para a modernização do Centro de Radiofarmácia. As conversas sobre esse projeto estão bem avançadas e devemos assinar, entre setembro e outubro, os contratos de serviços para esse trabalho de modernização.

Adicionalmente, temos um segundo projeto com o IPEN para o desenvolvimento de Centros de Irradiação de Alimentos no Brasil. No momento, estamos prospectando possíveis usuários nos setores de agronegócio, aeroportos e portos para montar esses centros de irradiação, que darão maior tempo de vida útil aos alimentos produzidos no Brasil.

Maquete do Centro Experimental ARAMAR

Já que o senhor mencionou a questão dos radiofármacos, gostaria de falar também sobre o Reator Multipropósito Brasileiro. A Amazul também atua nesse empreendimento. Como estão as perspectivas para que, enfim, as obras desse importante projeto sejam iniciadas?

O RMB é um projeto de extrema importância para a Amazul e é de caráter estratégico para o Brasil. A nação está cada vez mais ciente da relevância desse empreendimento. Naturalmente, a Amazul nutre grandes expectativas em relação à sua participação nesse projeto. O RMB é um empreendimento liderado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), com enfoque na pesquisa e produção de radioisótopos, os quais têm aplicações na medicina, agricultura, indústria e testes de materiais. A empresa argentina Invap foi contratada para desenvolver o projeto detalhado do reator, ao passo que à Amazul cabe a responsabilidade de complementar e fiscalizar esse projeto.

No momento, estamos subsidiando o MCTI desde o final do ano passado com informações sobre o RMB que foram produzidas pelos nossos funcionários. Estamos na expectativa pelos próximos passos da CNEN e do MCTI daqui em diante. Inclusive, o secretário executivo do MCTI, Luis Fernandes, é membro do Conselho de Administração da Amazul. Apresentamos a ele uma grande quantidade de dados e os encaminhamentos necessários para, de fato, viabilizar a construção do reator.

Imagem esquemática de dispositivo de assistência ventricular

Por fim, ainda dentro da temática da saúde, poderia falar aos nossos leitores em que fase está o desenvolvimento do Dispositivo de Assistência Ventricular?

Um dos nossos projetos em prospecção é uma parceria com o Instituto do Coração (InCor) para o desenvolvimento de um dispositivo de assistência ventricular (DAV), destinado a auxiliar o bombeamento sanguíneo em pacientes com insuficiência cardíaca. A Amazul está atualmente trabalhando no desenvolvimento de protótipos de motores que serão empregados no dispositivo.

O motor das ultracentrífugas desenvolvidas pela Marinha é singular. Trata-se de um equipamento de baixo consumo energético, que não aquece e demonstra alta confiabilidade. Essas características são essenciais para o desenvolvimento do DAV, uma vez que as células sanguíneas não podem ser sujeitas a variações consideráveis de temperatura ou pressão. Os profissionais da Amazul, com habilidades no desenvolvimento das ultracentrífugas, já criaram cinco protótipos desse motor para o DAV. O propósito é criar esse dispositivo de modo a disponibilizá-lo no âmbito do SUS, para atender à parcela da população que aguarda um transplante.

Atualmente, estamos fazendo diversos testes e trabalhando com os cientistas para chegar ao desenvolvimento de um modelo que possa ser testado e, no futuro, ser aprovado para implantação em seres humanos.

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