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18 julho 2023

Nova família de blindados para o Exército


Por Elígio Eliseu Prass*

Até o desenrolar da guerra da Ucrânia, era amplamente aceito que os blindados constituem a espinha dorsal dos exércitos mais poderosos do mundo e que suas forças armadas não deixariam de manter e utilizar esses meios na resolução de conflitos.

O campo de batalha moderno, conhecido também como multidomínio, requer a integração completa das capacidades de combate para garantir superioridade no enfrentamento, incluindo-se o uso de veículos aéreos não-tripulados (“unmanned aerial vehicle” – UAV), e Sistemas Anti-UAV, hoje tão propalados e divulgados na citada guerra Ucrânia x Rússia.

VBC CC Leopard 1A5 BR do 1º RCC (Foto: Luciano Souza)

Nos combates russo-ucranianos, vemos a grande intensidade do uso, e do seu efeito, de drones (para reconhecimento e ataque), munições vagantes (“loitering munition”), a saturação por fogos de artilharia, foguetes e mísseis, e o amplo uso de minas terrestres, onde a sobrevivência de viaturas é extremamente complicada.

Aqueles países que já estavam visualizando a substituição de blindados por outros meios, como Alemanha, França e Holanda, entre outros, após análise do campo de batalha ucraniano, já estão reconsiderando e reavaliando essa possibilidade, com o retorno certo dos carros de combate no estado da arte.

O VBC Cav Centauro II, recém adquirido pelo EB (Imagem: CIO)

Podemos considerar que há basicamente três escolas principais de blindados: a norte-americana, a russa e a europeia. A primeira baseia-se no amplo emprego da logística, tendendo a colocar o maio número de blindados no campo de batalha, e mantê-los operando pelo maior tempo possível, tendo como consequência uma pesada cauda logística. A russa baseia-se no princípio da massa, com ataques sucessivos, e tendo reposição imediata dos blindados, e que são, de certa forma, descartáveis, e de construção fácil e com pouca tecnologia embarcada, mas rústicos e resistentes. Já a europeia, ou alemã, baseia-se no intenso adestramento das tripulações, com técnicas, táticas e procedimentos muito similares aos da escola americana, sendo mais austera nos meios, porém altamente sofisticados.

O Brasil segue, de forma aproximada, o método europeu, com economia de recursos materiais, mas com amplo e intenso adestramento das tripulações.

Em termos de Potência de Fogo, o calibre 90 mm foi consagrado após a Segunda Guerra Mundial, tendo durante a guerra fria evoluído para o 105 mm. Atualmente, os carros de
combate ocidentais utilizam o 120 mm, com tendência de evolução para 130 ou até 140 mm, e os russos o 125 mm. Porém, a potência de fogo do Carro de Combate moderno se dá pela combinação do armamento, sistema de controle de tiro e munições utilizadas, como por exemplo: anticarro (HEAT), cabeça esmagável (HESH), super flecha (APFSDS), canister, multipropósito, com capacidade de penetração estendida, dentre outras.

O SARC UT30MK2, produzida pela Ares para a Indonésia, é uma opção para a futura VBC Fuz (Foto: Ares)

Nas viaturas blindadas de combate de fuzileiros (VBC Fuz) não há um consenso, variando entre 25 e 50 mm. Porém, é amplamente aceito que a guarnição deve ser constituída de três homens, com o máximo de incremento nos optrônicos, com o consequente aumento da capacidade de busca, aquisição, acompanhamento e transferência de alvos, conhecido como “hunter-killer”.

Na proteção blindada houve grandes avanços nas últimas décadas. Uma blindagem eficiente proporciona maior sobrevivência das guarnições, menos número de blindados destruídos, diminui a logística de recuperação e ou reparo do blindado, e proporciona aos comandantes mais opções de intervir no combate.

Houve uma grande evolução na composição da blindagem, sendo que atualmente a grande maioria utiliza a do tipo composta, com o emprego de reforço, como as blindagens modulares e ou sistemas ativos de proteção. Além disso, os blindados modernos, ou modernizados, estão recebendo cada vez mais sensores, como alerta laser e detecção acústica, combinados com atuadores e sistemas de gerenciamento por inteligência artificial, redundando em maior eficiência do blindado e capacidade ampliada de sobrevivência no campo de batalha.

Com o incremento das blindagens e sistemas embarcados, houve um aumento considerável no peso dos carros de combate, que passaram das 40 toneladas, chegando a 70 toneladas. Consequentemente aumentou a potência dos conjuntos de força, porém com limitação de locomoção, em função de pontes e terrenos não condizentes com esse peso, e até sobrecarga das suspensões.

Como solução, partiu-se para o aprimoramento da composição da blindagem, suspensões ativas, e até a redução da guarnição, tendendo a oscilar entre 40 e 50 toneladas.

Na busca de meios eficientes, à um custo acessível, países com maior tradição em desenvolvimento e aquisição de equipamentos militares, desenvolveram algumas soluções viáveis. Uma delas é a horizontalidade e comunalidade de meios, obtidos com o emprego de uma família de blindados, com base numa mesma plataforma, e que possibilita também a comunalidade, com a adoção de peças, sistemas e até torres em comum entre várias viaturas e versões.

O Exército Brasileiro (EB) não é diferente, buscando a horizontalidade com a adoção de uma família que compartilhe a mesma plataforma, onde temos como forte expoente a família do CV90, carro de combate médio (“medium main battle tank” – MMBT), com versão de VBC Fuz, engenharia, lança pontes, recovery, antiminas, de vigilância eletrônica, entre outras.

No contexto da horizontalidade e comunalidade, e dentro do panorama mundial, já temos o Projeto Guarani, que proverá todas as viaturas da tropa mecanizada, com veículos blindados 6×6 e 4×4, que possuem grande comunalidade de sistemas, componentes e de manutenção.

A experiência da comunalidade logística das viaturas da mecanizada devem ser replicadas nas da força blindada (Foto: EA)

A comunalidade também pode (e deve) ser buscada entre as tropas blindada e mecanizada, a partir da adoção de um mesmo sistema de armas ou um mesmo calibre, como os sistemas de armas remotamente controlados (SARC) REMAX ou UT30BR, ou ainda optrônicos comuns, possibilitando uma escala de economia.

Diante da atual conjuntura da nossa tropa blindada, com grande defasagem tecnológica, onde nossos blindados são de uma ou duas gerações anteriores, de não possuirmos uma VBC Fuz, o Programa Forças Blindadas veio para trazer uma solução, contemplando também um carro de combate e uma viatura blindada de combate de Cavalaria (VBC Cav), além de modernização do Carro de Combate Leopard 1A5.

O CC Ariete C1, similar ao do Leopard 1, equipado com uma torre HITFACT MkII (Foto: Leonardo)

São processos de aquisição paralelos, mas que podem convergir para uma padronização de família, com os benefícios de comunalidade e de horizontalidade, como a do CV90, que preenche os requisitos definidos pelo EB. Há de considerar que a família CV90 já está em produção seriada, consagrada, e foi adquirida por nove países, num total de 15 versões. Ademais, já foi demonstrado pelo fabricante para o EB, onde foi amplamente elogiado, causando um grande interesse por parte dos militares. Soma-se a isso a origem sueca, a mesma do caça F-39 Gripen, recém adquirido pela Força Aérea Brasileira (FAB), e a disposição da Suécia de fazer transferência tecnológica, teremos possivelmente a família de blindados tão almejada pelo EB.

Outro fator de comunalidade poderia ser obtido no processo de modernização dos carros de combate Leopard 1A5BR, dotando estes com a torre de 120 mm do Centauro II, nova dotação de VBC Cav do EB, cuja viabilidade foi demonstrada na EUSATORY 2022, instalada em chassis do carro de combate Ariete C1, similar ao do Leopard 1.

Assim, teríamos a possibilidade de se utilizar os sistemas de armas que já estão em uso no EB, como a implantação da torre Leonardo HITFACT MkII, equipada com um canhão de 120 mm, na VBC CC, e a UT30BR (ou UT30 MK2BR), equipada com um canhão de 30 mm, na VBC Fuz, além do REMAX em ambas.

O fato é que o Programa Forças Blindadas veio para modernizar e alavancar o panorama de blindados do EB, o que já está ocorrendo, com a escolha do Centauro II de 120 mm, uma escolha acertada dentro da atual conjuntura, principalmente frente a dados advindos da guerra russo-craniana.

A plataforma CV90 permite uma série de aplicações. Na imagem um CC ao fundo, com canhão de 120 mm, e um VBC Fuz a frente (Foto: BAE Systems)


*Sobre o autor: Elígio Eliseu Prass

Capitão QAO de Material Bélico, Turma de 1988, e atualmente integrante do Centro de Instrução de Blindados General Walter Pires (CIBld).

Possui formação superior em Logística e especializações em Viaturas Leopard e ENGESA EE-9 e EE-11, além de cursos de manutenção em Leopard (Alemanha), Gerenciamento de Frota Blindada (CIBld), Manutenção em Eletrônica (ESMB), Apoio Logístico Básico/Avançado, e em Operações de Paz (Peace Operations Training Institut – EUA).

Participou de Missões de paz em Angola (UNAVEM III), de 1996 a 1997, e Haiti (MINUSTAH), em 2007.

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