Havia muito tempo que não se falava tanto nas Forças Armadas brasileiras, ainda que longe da maioria dos holofotes da grande mídia, Exército, Marinha e Aeronáutica se mantenham bastante ativos em suas lidas diárias em relação às missões primárias que lhes são próprias e, principalmente, aquelas ditas pelos próprios militares como sendo complementares. E é nessas últimas que as ações, e os recursos, das nossas forças militares têm sido empregadas de forma, penso, exagerada e até irresponsável, visto que militares não são treinados, formados ou tem vocação para atividades típicas do poder público civil, mas que no Brasil, não raras vezes, em vista da inépcia e a negligência tradicionais do poder político, historicamente são deixadas em segundo plano frente aos interesses corporativos, ao fisiologismo ideológico partidário e privado.
Como reza o texto constitucional, em seu artigo 142, as Forças Armadas são instituições de Estado, e voltadas para a defesa do país, o que significa em termos gerais, que o propósito primário da sua existência é antes de tudo defender os interesses, os direitos e a liberdade do povo a que serve, com base nas livres escolhas que ele faz para si, nos cenários externo e interno, com prioridade para aquele. Desta forma, podemos inferir que no campo da geopolítica, é de responsabilidade do Estado brasileiro aferir às suas forças armadas os meios, recursos e vetores materiais, humanos e financeiros necessários – diria, impositivos – à plena integridade da defesa do país nos diversos cenários em que se encontra, partindo da nossa realidade e contexto político geográfico sul-americano.
Para realizar na prática a defesa de um país com mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados a simples existência de forças militares por si só não basta, ainda que nós tradicionalmente nos arrogamos a pecha de “país pacífico”. Conquanto, se dermos uma olhada rápida, e crítica, sobre a historiografia militar mundial nos últimos 150 anos, para ficarmos limitados às nossas experiências, desde a independência, pode-se observar que o mundo, e o Brasil, já passaram por 2 guerras mundiais, uma guerra subcontinental, vários conflitos bélicos entre nossos vizinhos, e um sem número de outros acontecimentos que geraram embates entre dois ou mais Estados, entre Estados e Organizações não estatais, e não raro também, entre diversos atores não estatais e/ou paraestatais, que via de regra tem se alastrado pelo mundo. Tudo isso registrado e passado em frente aos olhos pouco interessados da sociedade brasileira e de seus representantes. A guerra entre Ucrânia e Rússia é apenas mais um exemplo recente da inconstância da paz mundial.
Existe dois meios naturais, por assim dizer, de um país criar condições para dissuadir eventuais ameaças ou agressões reais contra si. A primeira linha de defesa sempre é a diplomacia, que se for objetiva, equilibrada, sóbria e, mais importante, ligada umbilicalmente às políticas e estratégias de defesa estabelecidas, funciona como fator dissuasor imediato e substantivo contra a maioria das potenciais ameaças que se possa antever em nosso teatro geoestratégico. A segunda linha de defesa são as forças armadas em si, através do seu efetivo preparo, modernidade e aprestamento, com fins de ser um fator dissuasor concreto, demonstrando inequivocamente a capacidade do país de impor, se necessário, a defesa de seus interesses e de seus cidadãos pela via militar em quaisquer circunstâncias e lugar. Conquanto, para se atingir este amplo leque de capacidades é necessário que a sociedade não somente entenda, como seja colaborativa e requerente junto ao poder político o tema Defesa Nacional seja tratado com a devida importância e valor que lhe cabe, e com ele, a permanente busca pela capacitação objetiva das forças armadas - junto com a diplomacia – com fins de implantar todas as ações necessárias à manutenção de nossos interesses dentro e fora do Brasil.
Sem que sejamos capazes de mantê-la, demonstrar claramente, sem margens para dúvidas ou equívocos, a dissuasão militar pode tornar-se um “calcanhar de Aquiles” em nossas relações com o mundo. Ou seja, sem que de fato possamos não apenas ameaçar, mas literalmente fazer o que dizemos no campo militar, qualquer Estado, ou até entidades não estatais ou paraestatais, podem pôr em cheque os interesses legítimos que temos em nossa região, e fora dela. Se não somos capazes de realizar a defesa crível de nossos interesses e direitos dentro das regras das relações internacionais reconhecidas, é pouco provável que qualquer um lá fora chegue a ter conosco alguma simpatia em termos de relação governo a governo no mesmo nível. No máximo vamos conseguir o desdém dos demais países na hora de sentar-se à mesa e negociar.
Não existe um país no mundo que possa se posicionar em suas relações internacionais com verdadeira independência, e até certa altivez, como é característico das grandes potências mundiais, sem que por trás de suas ações diplomáticas existam forças armadas prontas, operacionais e efetivamente capazes de respaldar as decisões tomadas na seara política. Esta é a via de mão dupla que a Defesa Nacional exige de todos os países, mas que somente uns poucos são capazes de realizar de modo pleno. Mas de certo que o Brasil não é um deles.
E não é por falta de aviso, experiência ou das muitas lições que a história nos legou.
*Sobre o autor: Flávio Carvalho
Administrador, Pedagogo, Professor e Mestre em Teologia
É Professor Adjunto na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas – FACED\UFAM
Educador e pesquisador em Educação, Políticas Públicas Educacionais, Gestão e Planejamento Público em Educação e Direito Educacional.
Estudioso de História Militar, Geopolítica, Estratégia, Relações Internacionais, Defesa Nacional.
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