27 março 2023

Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação


Por Flávio Carvalho*

A Avibras é considerada uma Empresa Estratégica de Defesa – EED conforme categorização definida pelo Ministério da Defesa (MD) em relação aos tipos de atividades, produtos, capacidade de inovação, pesquisa e desenvolvimento, e sobretudo, a quem pertencem, as mais variadas iniciativas privadas no mundo da indústria de defesa brasileira. A outra categoria é de Empresa Estratégica – EE. Somente empresas totalmente brasileiras são consideradas EED pelo governo federal, com outras que tenham alguma participação, ou sejam consideradas filiais de empresas estrangeiras, pertencendo àquela segunda categoria.

Estas condicionantes foram criadas por princípio, com o fim de apoiar o governo federal, governos estaduais e prefeituras, além, obviamente, da Base Industrial de Defesa e Segurança – BIDS do Brasil, no que tange orientar políticas públicas, práticas de gestão, e o relacionamento institucional entre inciativa privada e poder público, seja gerando Parcerias Público-Privadas – PPP, seja no sentido de administrar da melhor forma possível os devidos incentivos fiscal, financeiro, comercial e tecnológico deste importante setor da indústria nacional. A Avibras, portanto, em seus mais de 60 anos de existência no setor, goza, ou deveria, de apoio do Estado no que tange seus negócios com o poder público brasileiro e também no exterior. Mas as últimas notícias que se tem da empresa não são das mais animadoras.

Mas por que estamos falando da Avibras, e não da Embraer, da AEL Sistemas, da Akaer, ou de outras empresas que também, entre idas e vindas, veem seus negócios serem afetados de tempos em tempos pela incapacidade(?) do(s) governo(s) no Brasil de apoiarem tais empresas, e por conseguinte o setor de defesa nacional, levando em consideração as categorias de que fazem parte, como visto acima, com vistas ao desenvolvimento de um processo de planejamento público orçamentário que respalde suas atividades, e permita o seu funcionamento com razoável regularidade e previsibilidade em prazos aceitáveis, de acordo com as práticas estabelecidas pela Política Nacional de Defesa – PND e Estratégia Nacional de Defesa – END?

Primeiro que a Avibras é uma das mais antigas empresas da BIDS, e atua no setor sem interrupções praticamente desde a sua fundação pelo engenheiro João Verdi, além de possuir real e efetiva capacidade de projeto, pesquisa e inovação em produtos e soluções para o setor de Defesa que poucas empresas são capazes no país; ademais, ela possui dentro de seu escopo de atuação, participação direta e indireta praticamente em todos os Projetos Estratégicos das forças armadas nas últimas duas décadas, com suas diversas diretorias implicadas no fornecimento de respostas para as mais amplas demandas tecnológicas solicitadas pelo mercado nacional e internacional. Mas um detalhe se revela importante para justificar a Avibras neste texto, e sua relação com pesquisa, desenvolvimento e inovação, como proposto no tema deste artigo. É a terceira vez que a empresa entra com processo de recuperação judicial ao longo de sua vida.

Nada demais até aí, já que empresas privadas, e mesmo públicas, podem sofrer a influência de diversos fatores alheios a si ao longo de sua existência e que impactam sua administração, e consequentemente, seu equilíbrio financeiro. O problema a meu ver, é que no caso da Avibras, qualquer rápida pesquisa na internet pode demonstrar sem maiores dúvidas que a empresa não tem, em princípio, razão nenhuma para estar na situação em que está, vide os mais diversos programas militares em que está envolvida, contar com produtos de reconhecido sucesso de exportação, e atuar em diversos setores que não dizem respeito somente à indústria de Defesa. Mas mesmo assim, a empresa teve que demitir recentemente cerca de 400 funcionários, colocou em stand by várias centenas de outros, e suas linhas de produção funcionam a troco de caixa, por assim dizer. E como ela chegou até esse ponto é talvez mais fácil de explicar do que possa parecer, e isso tem a ver com os temas acima trazidos neste artigo, que passaremos resumidamente a expor. Comecemos pela pesquisa.

Nenhuma empresa que preze a sua capacidade de atuar no mercado, pode abrir mão do conhecimento, a saber, do seu negócio, nicho de mercado, clientela, produtos e soluções, e principalmente, da sua capacidade de investir em si mesma e na reinvenção do mercado a fim de torná-lo favorável a si. Neste aspecto, pesquisa na área industrial diz muito respeito à capacidade que a empresa tem de inovar dentro do seu campo de atuação, de forma oferecer a seus clientes soluções disruptivas que conquistem sua atenção, interesse e bolsos. E a Avibras é uma das poucas detentoras de expertise em áreas de engenharia química, estrutural, veicular, espacial, dentre outras que permitem que ofereça produtos como o ASTROS 2020, um sistema de lançamento de foguetes por saturação de área que é seu carro-chefe, e que atualmente está sendo renovado com a introdução do AV-MTC, um míssil de cruzeiro tático desenvolvido pela engenharia da empresa sob encomenda do Exército Brasileiro. A empresa jamais conseguiria tal feito se não fossem as seguidas décadas de investimento em pesquisa nas mais diferentes áreas do seu corpo de engenheiros. Investimentos estes que só são possíveis na exata medida em a empresa consegue vender seus produtos principalmente para a área de Defesa, que são os que mais contém recursos e itens de alta tecnologia, e portanto, de maior valor agregado.

O valor agregado dos produtos da Avibras, neste sentido, é conseguido enquanto a empresa é plenamente capaz de realizar seu processo de desenvolvimento, não apenas enquanto produto em si, mas, como solução adequada e direcionada objetivamente às necessidades de seus clientes. Assim, desenvolvimento aqui não se trata apenas de produto acabado e pronto, mas de processo que começa muito antes de sua entrega ao cliente final, e que passa pelas mãos de engenheiros, projetistas, montadores, e tantas outras mãos que permitem oferecer que um conjunto sistêmico de soluções adequadas a cada cliente. E isso custa muito caro, visto que o negócio da Avibras é especializado, e possui critérios de criação, e consequentemente de desenvolvimento que demandam meses, ou anos, de investimento até se dispor de algo palpável para entregar. E essa capacidade de investir em desenvolvimento está casada com as pesquisas que a empresa realiza com vista a atender as demandas do mercado. Ela simplesmente não inventa ou deduz seus produtos, mas, ao contrário, atende ao que o mercado lhe faz chegar as mãos, antecipando ou respondendo tais necessidades. Tal capacidade de desenvolver produtos está ligada, também, à condição financeira que permite à empresa realizá-lo.

Por fim, inovar é transformar a realidade, obter destas novas perspectivas, dar sentido novo ao que está estabelecido, ultrapassar limites antes intransponíveis. No campo da engenharia em que a Avibras atua é condição sine qua non a empresa ser capaz de oferecer algo diferente ao mercado em que atua, principalmente porque é um mercado onde tecnologia, desenvolvimento, pesquisa e “quebrar as regras” são coerentes com a rápida transformação não apenas da sociedade, mas principalmente da forma como a guerra está sendo travada. E neste sentido, por mais que um produto seja bom, testado e aprovado por anos a fio, isto não significa necessariamente que ele possa manter-se competitivo em seu campo de atuação. É o que fez o ASTROS evoluir do começo dos nos 1980 para o que ele é hoje. O desafio agora é fazer com que o sistema brasileiro seja capaz de medir-se na mesma altura de HIMARS e outros competidores no mercado mundial que dispõe, não raro, de muito mais recursos financeiros a seus fornecedores, algo que infelizmente a Avibras não conta. Mesmo assim, a empresa é uma das líderes em inovação no setor da BIDS, e representa uma das poucas, senão únicas, empresas brasileiras realmente capazes de contribuir para oferecer as nossas forças armadas os sistemas de que necessitam, hoje e amanhã.

Fica a pergunta. Se a Avibras é tão importante assim, e é detentora de tantas capacidades em pesquisa, desenvolvimento e inovação no setor da indústria de Defesa, e que para atuar neste mercado é necessário, diria impositivo, a participação inconteste do poder do Estado como principal investidor de capital com fins ao pleno sustento desta empresa, e de centenas de outras mais, onde foi que ela errou, já que parece ter tudo em mãos para ser uma empresa de sucesso. Ou o erro não foi apenas de má gestão da própria Avibras que mesmo com tantos programas/projetos sob sua ledice, não soube aproveitar os tempos de bonança e se preparar para outros menos propícios, fato bastante comum na área da indústria de Defesa no Brasil?

*Sobre o autor: Flávio Carvalho

Administrador, Pedagogo, Professor e Mestre em Teologia

É Professor Adjunto na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas – FACED\UFAM

Educador e pesquisador em Educação, Políticas Públicas Educacionais, Gestão e Planejamento Público em Educação e Direito Educacional.

Estudioso de História Militar, Geopolítica, Estratégia, Relações Internacionais, Defesa Nacional.

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