23 agosto 2021

Operação Formosa 2021, a Marinha cuida de seu preparo para atuar em terra

O carro de combate Leve SK-105 A2S Kürassier aguardando para entrar em ação (Foto: Paulo Bastos)

Por Paulo Roberto Bastos Jr.*

Neste mês de agosto, como já é tradicional, a Marinha do Brasil (MB) conduziu a Operação Formosa 2021, um exercício da Força de Fuzileiros da Esquadra (FFE). Trata-se de um treinamento que ocorre anualmente, desde 1988, e simula operações de combate em diferentes tipos de situação com o objetivo de manter as condições de atuação imediata dos Fuzileiros Navais.

O nome se dá em razão do local da manobra, o Campo de Instrução de Formosa (CIF), dentro do complexo do Forte de Santa Barbara do Exército Brasileiro (EB), no município de Formosa, interior de Goiás, a 80 quilômetros de Brasília (DF), e que possui mais de 114.000 hectares, permitindo a utilização plena e segura, de todos os tipos de armamentos em uso.

É considerada uma ação militar de alta complexidade, com a utilização de diversos meios e emprego de munição real. A edição deste ano cobriu-se ainda de mais importância pois foi a primeira vez que ocorreu a Interoperacionalidade das três Forças, com a participação de tropas do EB e da Força Aérea Brasileira (FAB).

Os CLAnf, como sempre, mostram suas excelentes características de mobilidade e transporte. Na foto, um modelo AAVP-7A1 RAM-RS, também conhecido como “Série 3” (Foto: Paulo Bastos)

Houve a participação de cerca de 2.500 militares e mais de uma centena de sistemas de armas, incluindo os carros de combate SK-105 A2S Kürassier, viaturas blindadas sobre rodas Piranha IIIC, carros sobre lagartas anfíbios (CLANF) AAV7A1, obuseiros Light Gun, sistema de foguetes de saturação ASTROS 2020, aeronaves de combate AF-1 e A-29, de reconhecimento R-99 e outros.

Em ação


A Operação Formosa 2021 compreendeu quatro fases distintas: deslocamento, tema tático, adestramento conjunto e regresso.

A principal função dos Fuzileiros Navais são as ações anfíbias, ou seja, a projeção de poder sobre terra, a partir de desembarque e conquista de áreas litorâneas, fluviais e lacustres, consolidação da posição e avanço sobre território até a chegada de reforço constituído por tropas do EB. Contudo, por se constituírem em uma tropa altamente capaz, com grande mobilidade, podem ser utilizados em outros tipos de missões, e isso fica muito claro pela sua enorme capacidade de deslocamento.

Um grupo de combate de fuzileiros progredindo, em linha, no terreno (Foto: Paulo Bastos)

Apesar de iniciar-se oficialmente em 02 de agosto, a viagem desde o Rio de Janeiro (RJ), foi acionada em julho, com o envio das primeiras equipes para a construção do acampamento provisório, a Base Expedicionária dos Fuzileiros Navais em Formosa.

Os deslocamentos ocorreram de forma meticulosa, movimentando tropas, veículos e equipamentos de diversas unidades para o CIF, em uma complexa operação logística, pelas grandes distâncias e a quantidades mobilizadas, ocasião em que se registrou o polêmico desfile e exposição de viaturas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, no dia 10, e a chegada a Formosa. É importante destacar o rigoroso cumprimento às orientações de prevenção à covid-19, com a adoção de medidas sanitárias para o recebimento dos militares, como testagem sorológica e descontaminação do material.

A Bateria de Obuseiros 105 mm, com peças do CFN e EB lado a lado (Foto: Paulo Bastos)

Na segunda etapa, o chamado tema tático, cada unidade, isoladamente, cumpre atividades específicas, buscando o máximo de eficiência sobre aquele terreno tão distinto.

Em seguida partiu-se para fundamental adestramento conjunto com as outras Forças, cujo ineditismo foi representado com a integração total com unidades de Artilharia do Exército, onde foi criado uma bateria de obuseiros 105 mm L119 Light Gun, composto por uma seção de quatro peças do Batalhão de Artilharia de Fuzileiros Navais (BtlArtFuzNav), e outra com três do 32º Grupo de Artilharia de Campanha (32º GAC), lá de Brasília, (uma delas havia sido recentemente recuperada pelo Arsenal de Guerra de São Paulo), e uma do 26º Grupo de Artilharia de Campanha (26º GAC), de Guarapuava (PR), com mais uma peça, cada, de reserva, que foram desdobradas no terreno (linha de fogo, central de tiro e topografia), e atiraram em conjunto, auxiliadas pelo sistema Gênesis, do EB, e Gunzem, da MB, a partir de informações coletadas de uma aeronave R-99 pertencente ao 2°/6° GAv “Esquadrão Guardião”, da FAB, agilizando muito os trabalhos.

A Bateria ASTROS 2020 também tinham viaturas do CFN e EB (Foto: Paulo Bastos)

Outro fato que, certamente, chamou a atenção, foi a composição de uma bateria de ASTROS 2020 da versão MK6, do BtlArtFuzNav e MK3M, do Centro de Instrução de Artilharia de Mísseis e Foguetes (CI Art Msl Fgt) do EB, com equipamento do 6º Grupo de Mísseis e Foguetes (6º GMF), o “Grupo Astros”.

Esses exercícios são vitais para adaptar o emprego da doutrina de cada Força, identificar problemas e buscar soluções, como dificuldades de conectar sistemas de comunicações Tadiran, dos Fuzileiros Navais, com o Harris, do EB, que deverá ser definitivamente solucionado pelo projeto do Rádio Definido por Software do Ministério da Defesa (RDS-Defesa).

Dois caças A-29 Super Tucano, do 2°/3° GAv “Esquadrão Grifo” atuaram com os dois AF-1 Falcão, do 1º Esquadrão de Aviões de Interceptação e Ataque (EsqdVF-1) no apoio aéreo aproximado. Helicópteros UH-5 Super Cougar e UH-12 Esquilo, do 1º Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral (EsqdHU-1), fizeram o transporte de equipamentos e suprimentos.

Dois A-29 Super Tucano, do Esquadrão Grifo, prestando o apoio de fogo aéreo aproximado (Foto: Paulo Bastos)

O controle aéreo em toda a área foi responsabilidade do Batalhão de Combate Aéreo (BtlCmbAe), dos Fuzileiros Navais, com a utilização de um DEACOM, uma síntese radar, ligado diretamente ao Primeiro Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aérea (CINDACTA I), com auxilio do Grupo de Comunicação e Controle (GCC), da FAB. A defesa antiaérea também foi garantida pelo BtlCmbAe, com uma bateria de misseis Mistral.



O controle aéreo e a defesa antiaérea eram de responsabilidade do BtlCmbAe dos Fuzileiros Navais (Fotos: Paulo Bastos)

Tudo controlado pelo Sistema Integrado de Comando e Controle do Corpo da Marinha do Brasil (SIC2MB), o qual inclui os módulos de gestão do campo de batalha, de Artilharia, de Comunicações e Guerra Eletrônica, apoiado pela AEL Sistemas S/A, do Grupo Elbit, que forneceu todo o sistema. Outros grupos de alta performance são os engenheiros militares, médicos e de defesa nuclear, biológica, química e radiológica.

A apresentação do SIC2MB, que permitiu acompanhar, em tempo real, toda a operação (Foto: Paulo Bastos)

Os artefatos explosivos improvisados, conhecidos internacionalmente como “improvised explosive device” (IED), associados ou não a agentes radiológicos ou químicos, constituem uma ameaça considerável no contexto da guerra assimétrica, conforme ocorre em vários conflitos no Oriente Médio, onde são usados por forças irregulares para emboscar tropas convencionais. Para lidar com tal ameaça foi utilizado um destacamento de engenheiros de combate, especialistas em defesa NBQR, e cinófilo com cão de faro de explosivos, embarcados em um blindado Piranha IIIC com “life suport system”, que consiste na pressurização interna do veículo com escotilhas fechadas, proporcionando aos ocupantes cerca de oito horas de proteção e autonomia para movimentar-se no terreno sob risco, buscando esclarecer a situação e, se for o caso, neutralizar ou destruir o artefato.

Na retaguarda, o Batalhão de Defesa Nuclear, Biológica, Química e Radiológica (BtlDefNBQR), subordinado ao Comando da Tropa de Reforço, montou um posto de descontaminação NBQR, assegurando a segurança das tropas e equipamentos que tiveram contato com esse material.

A limpeza de material com suspeita de contaminação NBQR era feita na retaguarda, pelo BtlDefNBQR (Foto: sargento Pires / ComSoc FFE)

Já o destacamento de saúde da operação estava equipado com uma unidade avançada de trauma (UAT), especializada em assistência cirúrgica de emergência, conectada diretamente ao Hospital da Marinha, capacitada para fazer cirurgias sob anestesia, intervenções ortopédicas e suporte de vida avançado, mais próximo do campo de batalha. Contava também com uma viatura blindada ambulância Piranha IIIC totalmente equipada.

O encerramento deu-se no dia 16, com uma apresentação que resumia toda a operação e que contou com a presença de diversas autoridades, incluindo o presidente da Republica, Jair Messias Bolsonaro, e que foi coberto por um grande número de veículos de imprensa.

O vice-almirante (FN) Carlos Chagas Vianna Braga, comandante da FFE, colocou todos os militares do acampamento em forma, incluindo os do Exército e da Força Aérea agradecendo o empenho demonstrado junto às capacidades. No mesmo dia, as tropas já trataram do regresso às suas unidades de origem.

O vice-almirante Carlos Chagas na formatura final da Base expedicionária dos Fuzileiros Navais em Formosa (Foto: Paulo Bastos)

Uma visão de quem esteve lá



A mídia especializada em defesa tem dois papeis muito distintos: o primeiro é divulgar, de forma séria, técnica e objetiva, informações sobre o tema para criar condições para sua discussão em nossa sociedade e, em segundo, municiar a chamada mídia de massa com material para esta possa executar suas funções de maneira mais assertivas. Neste segundo caso, T&D foi muito consultada por diversos órgãos de imprensa para explicar o motivo da suposta “fumaça preta” saída dos blindados dos Fuzileiros no desfile de Brasília. Todavia, infelizmente muitas delas, por desconhecer a importância daquela operação, divulgaram criticas infundadas, que denigrem a imagem das Forças Armadas e seus integrantes perante a sociedade.

T&D, ciente de suas responsabilidades, resolveu acompanhar, mais uma vez, esta grande operação militar de dentro, vivendo, por alguns dias, todas as rotinas na Base Expedicionária dos Fuzileiros Navais em Formosa, uma estrutura fantástica, que abrigou milhares de pessoas, de forma completamente autônoma, criada praticamente a partir do zero. Uma Base com tudo que os militares precisavam para cumprir suas missões, simulando uma situação de operação real, mas sem deixar de se preocupar com o lazer e a saúde mental da tropa.

Vista aérea da Base Expedicionária dos Fuzileiros Navais em Formosa (Foto: sargento Pires / ComSoc FFE)

E essa experiência, onde presenciamos as enormes dificuldades do ambiente, com níveis de umidade relativa do ar de cerca de 10% e amplitude térmica de mais de 30º, nos permitiram ver em operação uma tropa coesa e extremamente preparada para enfrentar qualquer missão que lhe seja conferida.

FONTE: Tecnologia & Defesa

*Sobre o Autor: Paulo Roberto Bastos Jr.
Engenheiro de automação e Pesquisador militar, especialista em blindados e forças motomecanizadas da América Latina e Caribe.

Nota do Defesa Brasil Notícias: Matéria reproduzida com autorização do autor.

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